CRÔNICA

A RIFA DA REDE

Em 13 de junho de 1963 o Brasil tinha na Presidência da República o gaúcho João Goulart, que agitava o país com o discurso das reformas de base. John Kennedy era Presidente dos Estados Unidos. A guerra fria estava cada vez mais quente. Em compensação, o Brasil ensaiava sua contribuição para uma outra revolução mundial, a da música, no balanço intimista da bossa nova.

Imprensada no meio de tantas notícias, em uma página do Diário de Mossoró, um dos jornais que um dia circularam por estas partes do RN, está a informação sobre o encerramento da Festa de Santo Antonio, celebração religiosa de mistura com festejos profanos, homenagem a um dos santos mais populares do Brasil, e que por 13 dias, todos os anos, acontecia em frente à casa do Sr. Raimundo Nunes Rodrigues Filho, que a cidade toda conhecia como Raimundo Sacristão. Detalhe importante, Raimundo avisava aos interessados sobre o sorteio, naquele mesmo dia, da rifa da “rede de luxo” ofertada pela fábrica que tinha o nome do santo e (a notícia não dizia, mas digo eu) também instalada no bairro do mesmo nome, na Rua Jeremias da Rocha.

As rifas eram comuns na época, rifava-se tudo: anel de ouro, bode, galinha, bicicleta, cortes de tecido. Havia rifa em benefício de uma causa, de alguém, ou simplesmente do “vendedor profissional de rifas!”. Nas imediações do mercado central era quase certo esbarrar com um deles. Como referência para o sorteio usava-se o resultado do “jogo do bicho”, que já era, então, a contravenção mais incorporada ao cotidiano do brasileiro de qualquer dessas latitudes verde-amarelas. Mas também se usavam os números da extração da Loteria Federal, especialmente quando o prêmio era de um valor que supunha número maior de bilhetes concorrentes. Outra particularidade eram os casos em que o sorteio saia em branco, ou seja, o número sorteado não fora adquirido por alguém. Aí o critério era definido pelo promotor do negócio: simplesmente recolher para si o prêmio, considerando que o bilhete não vendido era sua propriedade e estava concorrendo, ou continuar vendendo os cupons remanescentes e fixar nova data para “correr a rifa”. No último caso, os compradores iniciais terminavam beneficiados ao concorrer duplamente sem pagamento adicional.

Mas, voltando à rifa da festa, não sei que qualidades classificavam uma rede nessa categoria especial. O hábito de dormir nelas era, por questões culturais e econômicas, comum e, para muitos, ter uma dessas produzidas industrialmente já era privilégio. Mas fico pensando quem terá, nessa noite, tido esse sono de luxo e, certamente, abençoado pelo Santo Português e de Pádua.

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