CRÔNICA

OS POETAS DA RUA

A primeira ideia sobre o que seja um poeta ou uma poetisa é de alguém com talento de fazer versos, imaginação inspirada. Mas, uma definição mais abrangente diz que poeta é aquele que devaneia ou tem caráter idealista. Se ficarmos só com o devanear, que é imaginar, fantasiar, sonhar, vemos que na vida lidamos com muito mais poetas do que caberia em uma academia de vates. Eles expressam seus sonhos de modos curiosos. Como os que se encontravam nas ruas de cidades pequenas ou médias e eram conhecidos por expressões ou atitudes construídas plenamente pela imaginação.

No mercado central de Mossoró e nas ruas e praças de seu entorno ninguém deixaria de conhecer aquele cujo nome já fora substituído pelo título: Poeta. Em meio aos biscates com que bravamente fazia sua vida, fazia também versos simplórios e provavelmente não os tinha por menores que os de Camões, se ele tivesse ideia de quem fosse Camões. Só não gostava se um gaiato lhe dizia que Jerônimo, aquele da novela de rádio patrocinada pelo Melhoral, o herói do sertão (Jerônimo, não o Melhoral), havia morrido.

Mas nem só em versos manifesta-se a imaginação desses poetas. Chico Bolinha não era tão conhecido quanto Poeta, mas divagava alto. Na sua cabeça namorava atrizes e cantoras famosas. Mas não dizia isso diretamente, pelo menos até que alguém o provocasse perguntando se ainda namorava ou tinha um caso com a fulana celebridade. Aí fazia charme. Olhava um pouco de lado na direção do interlocutor, sem virar o rosto, esboçava um sorriso discreto, cheio de significado, e respondia com expressões como “eu não sei disso não…” “o pessoal aí é que anda falando…” e outras tais. E, de reticências em reticências, procurava deixar a impressão que era, de fato, o irresistível galã das pobres beldades do estrelato nacional.

Em Natal o vendedor de jornais conhecido como “Alberis” anunciava aos brados uma única manchete, que supostamente estaria na página principal edição do dia, como estava nos dias anteriores e estaria nos subsequentes. E apregoava um encarte, “um posti grátis de Alberis” que era como se referia ao então craque do time do ABC, cuja foto em destaque impulsionava a venda de qualquer jornal naquela época. O problema para comprar o jornal era parar o vendedor, pois também era seu hábito passar correndo pela Av. Rio Branco, enquanto deixava no ar o seu pregão, parecendo ao desavisado que sua intenção era mesmo anunciar, divulgar e não vender o diário.

Ainda na Rio Branco, era comum ser surpreendido por um que chegava como quem passava ao acaso, e num lance rápido pegava na mão de alguém distraído, beijava e saia em desabalada carreira. Tempos de ruas poéticas.

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