CRÔNICA

E BATEU-SE A CHAPA

“Fotografei você na minha Rolleiflex, revelou-se sua enorme ingratidão”. Os versos de “Desafinado”, de Tom Jobim, revelam não apenas a ingratidão da musa, mas também uma realidade hoje apagada pelas câmeras digitais que estão por toda parte como um dos muitos recursos tecnológicos embarcados em um simples aparelho de telefone celular. A fotografia poderia ter sido tirada em uma Yashica ou em uma Kodak, esta última, sem dúvida a marca mais conhecida no Brasil e aqui “em nós”, durante muitos anos.

Fotografar com uma Kodak era item de estilo. As fotografias que grande número de norte-rio-grandenses, especialmente de Mossoró e região, se habituaram a admirar, manancial de memórias desde que Cabi Costa Lima criou o site Azougue, se não foram produzidas nas máquinas de Manoelito ou de João Lourinho, mais avançadas na época, provavelmente passaram pelas lentes de uma Kodak. Aquelas em cenário aberto: praças, campos, sítios, praias, é praticamente certo que saíram de uma dessas câmeras. As máquinas mais populares eram justamente as que dependiam da luz do sol iluminando o objeto da foto. E o sol tinha que estar de frente para a cara do fotografado, sob pena de aparecer apenas a silhueta do dito cujo ou da dita cuja para a decepção do “modelo” e reprovação do aspirante a fotógrafo.

É bom observar que até mesmo as máquinas ditas populares não eram tão populares assim. O preço do equipamento já o classificava como objeto de certo luxo.  Daí, para a maior parte das pessoas, por ocasião de um desses eventos de que se queria deixar um registro para a posteridade, era providencial alguém da família ou um amigo que tivesse uma. E aí, a preocupação seguinte era escolher as pessoas, os lugares, as situações e até o gesto que deveriam ser fixados nos “instantâneos”, pois também havia os preços dos filmes fotográficos, o limite de “retratos” que eles permitiam, 12 ou 24 poses, e o custo da revelação que tinha que ser feita em laboratório profissional. Além disso, o manuseio errado na retirada do filme podia estragar todo trabalho. Qualquer exposição à luz faria “velar” a película, borrando totalmente a imagem. A expressão “queimar o filme” traduzindo ato errado ou inadequado de alguém, vem dessa situação.

A facilidade das câmeras digitais possibilita a fixação de lugares e momentos belos como não seria possível antes. Também mudou a atitude das pessoas, o cuidado e valor do instante da foto e fomentou a obsessão do registro fotográfico e o gosto pelo grotesco. O que não mudou foi a emoção da fotografia, a arte, o olho clínico que o faz o bonito mais bonito, o feio menos feio e tudo ficar mais interessante.

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