CRÔNICA

OS CAMPOS DE PELADA

Cada bairro tinha os seus. Havia vários em cada bairro. E qualquer um poderia ser escolhido, se fosse necessário representar em apenas um todos os campos de pelada da cidade.

Um terreno à beira do rio ou depois da última casa da rua, beirando o mato. O lugar que a população do entorno (sempre foi assim) havia elegido para ali jogar o lixo. Um grupo de garotos ou jovens chegava trazendo uma bola surrada. Não era necessário maiores conhecimentos de geometria. Num lance de olhos se definia o sentido mais alongado do espaço em cujas extremidades eram fincadas as traves, que podiam ser apenas duas simples pedras ou tijolos. Daí por diante a terraplenagem era feita com os próprios pés, à medida que as peladas aconteciam porque, se dava para se jogar, se jogava, mas se não dava, se jogava também. A despeito dos pés estropiados. Com o tempo o “campo” ia se aplainando até se tornar ideal para a bola correr sob domínio ou mediante os passes dos habilidosos ou atropelada pelos “pernas de pau”, categoria onde geralmente se incluía o dono da bola. A essa altura, até já se providenciara a marcação das linhas (laterais, divisória central, área dos goleiros) com a cal que alguém conseguira em uma caieira nas proximidades.

Às vezes isso evoluía para a tentativa de imitar o modelo “organizado” de entidades que promoviam o futebol, profissional ou amador, em torno de campeonatos e seus regulamentos. Regras ditadas por grupos que logo assumiam o comando do espaço com base em métodos também espelhados nessas entidades, e que iam do conchavo ao simples emprego da força. Nesse momento, restava à meninada buscar outro terreno baldio e começar tudo de novo.

Jogar peladas era essencialmente diversão para garotos, jovens ou adultos. Para os pais era peraltice e, se o menino se excedia na dedicação à brincadeira com bola, era perda de tempo a prejudicar as tarefas da escola, os estudos que deveriam garantir o futuro, o passaporte para “ser alguém na vida”. E então era advertido e chamado a retomar suas obrigações. Por mais que mostrasse sinais de que seria um craque, jamais passaria pela mente da família incentivar aquilo que, no máximo, terminaria por dar futuramente ao jovem a glória efêmera de vestir a camisa de um dos times da cidade. Futebol amador que não lhe proporcionaria mais que um simples troféu e uma fotografia do time campeão, além de nenhum meio para prover seu sustento, se não desenvolvesse paralelamente a condição de profissional de qualquer outra atividade.

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