OLHA O GARRAFEIRO!
Esse, definitivamente, é personagem do passado. Ele se antecipou, sem saber, ao tempo de preocupação ambiental que incorporou a prática da reciclagem de materiais aos hábitos de parte da população, prática, aliás, que precisa ser assimilada por todos. Existiu quando o problema do lixo acumulado no planeta não chamava tanto a atenção. Ainda não havia o plástico, solução genial e ao mesmo tempo problemática como material básico de milhares objetos e produtos descartáveis.
Eles, os garrafeiros, percorriam ruas comprando garrafas de vidro, de volumes diversos, litros ou de 600ml, como as de cervejas, e as de refrigerantes, menores ainda. Alguns utilizavam carrinhos de mão. A maioria valia-se apenas de um saco grande, feito de tecido de algodão, que levavam pendentes às costas. Enchiam o quanto possível esses sacos, que foram embalagens originais de cereais como açúcar, farinha ou feijão, encarando o desafio do peso carregado ao sol causticante, do volume e do risco de se quebrarem as garrafas, na improvável acomodação daquele monte delas, impossível de, pela incongruência da forma, encaixarem-se umas às outras.
Havia outros riscos de acidente de trabalho, ao longo do itinerário. Muitos dos garrafeiros gostavam daquela água que passarinho não bebe (ou não bebia) e que sobrava nas prateleiras das bodegas (havia muitas pelo caminho), enfileiradas em garrafas que, um dia, possivelmente foram arrecadadas vazias por um deles e vendidas de volta para a indústria.
O preço irrisório de uma garrafa vazia (as de 600ml mais caras que os litros, por alguma razão) era a condição ideal para esse tipo de negociante, porque o negócio não exigia capital maior do aquele de que eles dispunham, na sua pobreza meridiana. Alguns vendedores de picolé agregavam a essa venda o negócio com garrafas, adquiridas por meio de escambo. Mas, eram os garrafeiros, com seus sacos às costas, que a população identificava como autênticos praticantes desse comércio.
Serviço pesado, insalubre e baixa remuneração. Como, de resto, era e é o trabalho do que se costuma chamar de “mão de obra não qualificada”, pessoas que por falta de oportunidade não aprenderam a fazer algo intelectualmente mais complexo, uma arte, um ofício e têm que se virar para conseguir o próprio sustento e da família, movidas pela alma simples e pela convicção de que é pelo trabalho que devem viver e preservar a dignidade que aprenderam, de algum forma, especialmente pelos exemplos da família, apesar das dificuldades e reveses, passados e presentes.