ARTIGO

CARTA A UMA ACADÊMICA

DULCINÉA AGUIAR CAVALCANTE

(AFLAM – Cadeira 18)


Alguém se lembra quando éramos apenas uma semente com toda estrutura pronta, latente, envolta no tegumento inerte?

Cada uma de nós era um ser completo, mas indivíduos que precisavam colocar cor e dar voz aos seus dons, significar suas vidas, pensar em grupo e vencer as dificuldades de acreditar na arte como caminho para o crescimento e a evolução pessoal e social.

A semente, formação de vegetais superiores e responsável pela perpetuação da espécie, é também a força propulsora do que se quer imortal no frágil tecido social, nesse instante da “modernidade líquida” onde tudo flui para o esquecimento.

Academias de Letras e Artes em Mossoró estão em evidente fruição. Mas a AFLAM é “sui generis” e cada uma de nós é responsável por essa semente. Pela flor que de mansinho está surgindo e enfeitando o jardim de um sonho, de um lugar, ou, apenas, compondo o pequeno e grande universo de nós mesmas. Um fruto que penderá da árvore da criação coletiva e trará doçura  ao paladar de quem o colher, alimentando o corpo e espírito. E a alma, leve e já fortalecida, se libertará de quaisquer amarras, consequência inigualável de todas que experimentam o maravilhoso universos das artes.

Vamos cuidar dessa semente! Fomos responsáveis pela sua semeadura e não podemos deixá-la morrer a mercê de nós mesmas. Só assim evitaremos o estiolamento, isto é, o crescimento de uma semente isolada, e cresceremos todas como um grupo forte e coeso. Evitaremos a clorose, aquele estado desfalecido, quando a planta fica amarelada por falta de luz, e seremos um buquê de esperança, vigoroso como um facho luminoso sempre a brilhar numa única direção. Evitaremos, ainda, a dormência, a apatia, a desqualificação e o esquecimento, tão prejudiciais à palavra empenhada no dia da posse.

Estamos nos distanciando da missão de grupo como um todo. Precisamos usar todos os recursos para manter saudável a semente plantada. Há quatorze anos  fomos chamadas para escrever uma história, embora, inadvertidamente, estejamos falhando com o compromisso assumido diante de nós mesmas. Estamos em débito com o papel em branco deixada por algumas em algum lugar.

Quem poderá dizer, com todas as letras, eu sou da AFLAM, e segurar o olhar? Quem de nós poderá dizer, com altivez, eu cuido da sementinha lhe trazendo água, húmus, arrancando as ervas daninhas para que ela germine e floresça? Palavras são necessárias, mas a ação é mais importante, é ela que convence e eterniza.

A luz da penúria nos abriga. Falta compromisso como o acerto das mensalidades. Ah! tocamos a ferida com dedos de algodão. Não queremos ser algozes. Muitas de nós não se lembram, fazemos parte de um todo e sem a nossa contribuição efetiva e constante a máquina emperra. Infelizmente sem o vínculo cultural forte e sem a cota monetária, no mundo capitalista, sucumbe esse todo como sonho, e só um milagre tirará do papel qualquer projeto. Tiremos do nimbo o estímulo que alimenta o entusiasmo.

Já pararam para pensar que fazemos parte de uma elite cultural e intelectual do País de Mossoró? O nome da AFLAM está crescendo, a semente germina e, embora tenra, já está bem claro quão forte ela é. Muitas já deixaram a  terra e voaram para um plano imponderável, brilham como estrelas cadentes,  riscando o céu lindamente transformadas. Se não cuidarmos e tomarmos as rédeas, sucumbiremos ou deixaremos à meia dúzia de confreiras a pesada carga que cabe a todas nós como grupo sustentar. Sabemos os nomes das Acadêmicas, as suas vozes ecoam nos quatro cantos da cidade: são artistas, escritoras, cantoras, poetas, maestrinas, bailarinas, artistas plásticas, uma gama de talentos que  inegavelmente  compõe esse leque de cores e sem dúvida enche de orgulho essa Academia.

Vamos conversar. Sentadas ao redor de grande mesa redonda, falando, ouvindo e opinando. Assim chegaremos ao lugar que merecemos e certamente nos  tornaremos o grupo sonhado pelas mentes que materializaram esse sonho.

A  cada uma de nós cabe a parcela responsável do capital humano necessário,  a cada uma cabe remover os  tijolos na busca de  fortalecer a edificação das pilastras de sustentação de um grupo forte, com o precioso senso de pertencimento a algo grandioso. Seremos  Imortais  e, com certeza, ficaremos cravadas nos anais da história  e abençoadas pelo sal dessa terra  País de Mossoró.

Resiliência, a palavra mágica. É notório que vivemos uma nova era e não podemos desconsiderar o cenário que a nossa frente se descortina. Naturalmente não temos todas as ferramentas afiadas para espetar os problemas com soluções viáveis como pedem as circunstâncias.

Bem diz Shakespeare “nós somos do tecido de que são feitos os sonhos”, então, é justo que atrelemos  aos sonhos o nosso barco. Não há custo em sonhar, entretanto enfrentaremos com leveza as adversidades que nos apresentam como indissolúveis.

Com humildade e fé, coragem e flores tornaremos realidade, o sonho que sonharemos juntas.


* DULCINÉIA AGUIAR CAVALCANTE E SILVA – Poetisa, Escritora, Poetisa e Imortal da Academia Feminina de Artes e Letras Mossoroense – AFLAM, ocupante da CADEIRA 18. Integra as confrarias: Café e Poesia e As Traças. Cronista Jornal De Fato e agente cultural da confraria Sem Eira nem Beira. Participa como coautora de várias coletâneas, além de autoria solo dos seguintes livros: Quatro Estações, Poltrona Azul, Bicicleta de Papel, … um chão para memórias soltas. Sua mais recente obra é Outanias.

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support