CRÔNICA

OS OUTROS CONVIVAS DO RIO MOSSORÓ

Outros personagens, além das lavadeiras, compunham a paisagem humana do rio. Antes da década de 1970 Mossoró possuía uma pequena e precária rede de distribuição de água encanada, que cobria a região central da cidade. As demais residências dependiam da água do rio para as necessidades básicas e a função de fazê-la chegar às casas era exercida pelos “carroceiros”. Do trecho do rio que corta a cidade vinha a chamada “água de gasto”, para o banho e outros usos, menos para ingestão e o preparo de alimentos, “a água de beber”. Essa vinha da região da Várzea da Pasta, isso se a família não tinha uma cisterna para armazenar água de chuva, verdadeiro privilégio.

As carroças puxadas por burros mulos ou cavalos carregavam as pipas, grandes barris de madeira montados deitados sobre um lastro também de madeira, com uma abertura superior, por onde eram abastecidos e uma torneira no ponto mais baixo do tampo voltado para a parte posterior da carroça, de modo a água escorrer por gravidade quando a torneira era aberta. A movimentação da água era feita em recipientes improvisados de latas de querosene, limpas e adaptadas para esse fim, inclusive servindo de unidade de referência na venda do produto.

Havia determinados “pontos de abastecimentos”. Assim como as pedras das lavadeiras, esses locais eram um tipo de usucapião do “fornecedor”, de fato alguém que fazia o trabalho de pegar a água no rio, nas citadas latas, e colocar sobre um estrado, na altura do lastro da carroça, de onde o próprio carroceiro pegava para encher a pipa.

O movimento na beira do rio era intenso e as pessoas envolvidas nesse trabalho, além das muitas outras que ali estavam por vários motivos ou por motivo algum respondiam pelo tom masculino no caótico falatório das manhãs naquele ambiente ensolarado até que as carroças seguissem, isoladas ou em filas, pelos bairros onde a água era aguardada pelas donas de casa.

Completavam a paisagem da beira-rio os que vinham para os banhos, na verdade, uma festa, principalmente da meninada que se esbaldava, às vezes sucedendo os jogos de futebol nas várzeas próximas e davam o tom mais agudo naquele concerto mais para o desconsertado que, no entanto, tinha o traço comum da alegria que capilarizava o ambiente, compartilhada por aquela gente que trabalhava, passava ao acaso ou simplesmente se divertia em comunhão com o rio, o grande agregador daquilo tudo, cujas águas justificavam a própria existência da cidade. Ah, ainda tinha os vendedores do bolo e do café que todos adoravam, porque ninguém é de ferro.

 

Notícias semelhantes
Comentários
Loading...
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support