ENTREVISTA

Conversa da Semana com Raul Nogueira Santos

O processo de transição em Mossoró segue de forma muito lenta. A atual gestão te criado dificuldades e se recusado a entregar documentos importantes à equipe de transição nomeada pelo prefeito diplomado Allyson Bezerra. Coordenador dessa comissão, o advogado Raul Santos (indicado na última quinta-feira como futuro procurador geral do município) falou ao Portal do RN sobre como está a situação. Nessa Conversa da Semana, Raul discorre sobre outros temas, como capacidade técnica da equipe de auxiliares que está sendo montada por Allyson, condições da estrutura administrativa da prefeitura e expectativas para a próxima gestão.

Por Márcio Alexandre


PORTAL DO RN – Como está o processo de transição?

RAUL SANTOS – O processo tem andado numa velocidade bem aquém da desejada, da necessária, dado o fato de, em virtude da própria pandemia, a transição ter começado depois do que deveria, depois do que costumeiramente começa. E nós, da equipe do prefeito Allyson, temos esse senso de urgência porque ele vai assumir em primeiro de janeiro uma máquina de arrecadação em torno de R$ 700 milhões por ano, com 300 mil clientes, que é a população de Mossoró e que consomem os serviços do município. Então, é uma máquina grande, complexa. Já percebemos também que é uma máquina muito arcaica, muito artesanal ainda. Nesse começo da transição a gente já percebeu isso. Dado essa realidade, nós temos um senso de urgência muito grande, e gostaríamos de ter iniciado o mês de dezembro com toda a documentação que a legislação de que temos direito de ter acesso. Mas nem toda a documentação quer requeremos foi entregue. Na verdade, ainda tem muita documentação para ser entregue. Isso nessa altura do mês, a quinze dias do prefeito tomar posse. (Nota da redação:  a entrevista foi feita na última terça-feira, 15 de dezembro).

Já percebemos também que é uma máquina muito arcaica, muito artesanal ainda.
Nesse começo da transição a gente já percebeu isso.  
 

PRN – Quais documentos e/ou informações mais importantes que ainda não foram entregues?

RS  – Lista dos servidores comissionados, quem são, onde estão, quanto ganham e até quando vai a portaria deles, se a portaria teve data final, e o cargo deles foi criado por qual legislação. Há servidores cedidos? Se há, para quais órgãos, com fundamento em que lei? Servidores terceirizados, a listagem de quem é terceirizado, o contrato de terceirização, contratos de locação. Em relação a isso, estou achando que é uma lenda urbana porque desde o início que a gente requer e nada de vir. Contratos de locação: quais imóveis estão locados, para que órgãos estão cedidos. Pedimos um inventário de bens móveis. Também queremos saber se há prédios do município eventualmente ociosos. Por que é interessante? Por que que existe a transição? Porque no começo da gestão o prefeito vai reorganizar a máquina. Então são necessárias essas informações para o prefeito saber, por exemplo, se tem alguma locação que possa eventualmente ser rescindida, se existe algum prédio público que pode aproveitar algum órgão público. É preciso reorganizar isso, rearranjar isso, e essas informações nós não temos.

 PRN – Hoje em dia, grande parte das informações de governos são públicas, de acesso fácil ou médio, mesmo assim, que dificuldades têm sido encontradas?

RS – Recebemos uma listagem de todos os contratos da prefeitura, com 146 páginas, cada uma com mais de 300 extratos, com todos os contratos da prefeitura, desde sempre, mas não estavam os contratos de locação. Então não recebemos essa documentação. Nós notificamos a prefeitura, oficiamos a prefeitura, fizemos uma listagem do que recebemos e do que não recebemos, e reiteramos o pedido dessa documentação.

PRN – De toda essa documentação que ainda não foi entregue, tem alguma que impacta na expectativa de arrecadação para o próximo ano?

RS – Tem sim. Não sei exatamente se da documentação que foi entregue, mas alguns nós vamos requerer amanhã (16/12). Nossa equipe esteve na Secretaria da Fazenda e lá nós detectamos que a prefeita ainda não editou o decreto que regulamenta a cobrança do exercício do IPTU (Imposto Predial, Territorial Urbano) nos primeiros meses de 2021. Como identificamos isso, oficiamos à prefeita questionando: se esse decreto existe, e se ele não existe, pedindo a ela providências. E se ela não tomar essas providências, o setor jurídico da nossa equipe, da qual faço parte, vamos fazer um decreto para o prefeito assinar dia 2 de janeiro.

PRN – Em face da recusa da prefeita em repassar essas informações e documentos, vocês cogitaram acionar o Ministério Público. Isso se concretizou?

RS – A dinâmica da transição é uma dinâmica muito intensa. Porque tem as atividades que são feitas diretamente com a gestão, com a documentação que a gente precisa deles, mas dado o fato de em algum momento a gente encontrar algum bloqueio, nós passamos a adotar uma estratégia de procurar instituições que tem negócios com município, convênios, relações com o município, instituições como a Caixa Econômica onde hoje houve a segunda reunião da equipe de transição com ela, com o Banco do Brasil – que é quem faz a gestão bancária da maioria das contas da prefeitura – alinhar com o Banco do Brasil uma forma rápida de já no dia 2 de janeiro termos toda a equipe do prefeito que vai ordenar despesas, já estar cadastrada no banco para não termos solução de continuidade. Isso tudo já deveríamos ter recebido da prefeitura. Não recebemos, então, estamos procurando o Banco do Brasil. Então dado o fato de a gente necessitar desses dados externos, isso torna o trabalho da comissão muito dinâmico. E em relação específica ao Ministério Público, nós fizemos algumas reuniões, nós fizemos alguns contatos, e como houve uma reunião ontem, em que houve um último pedido franco e expresso de entrega da documentação, e nós saímos da reunião com a promessa de que a documentação seria entregue hoje pela manhã – já são 16h e não recebemos ainda – e infelizmente talvez seja necessário nós fazermos uma solicitação formal ao Ministério Público nesse sentido. Já tivemos reuniões em que conversamos informalmente com os promotores e vamos ver o que podemos fazer e o que tiver de fazer vamos fazer nessa semana. Lembrando que já há no Rio Grande do Norte dois precedentes importantes de prefeitos em exercício que foram condenados a entregar documentação em 48 horas através de medidas liminares que foram concedidas, inclusive a última ontem, 14 de dezembro, lá na Comarca de Pau dos Ferros.

PRN – Hoje, 15 de dezembro, com tudo isso que está posto, já estão criadas dificuldades para o início da próxima gestão?

RS – Com certeza. Criaram-se dificuldades. Essas dificuldades estão dadas, infelizmente. Porque já temos a dificuldade natural mesmo se tudo fosse perfeito. O município é à lenha. É impressionante. Tudo é em Excel, não tem um sistema de redes integradas, não tem um sistema de nuvens, não tem um software – até tem no sistema de pagamento, inclusive conversamos com a empresa que presta serviço desse software, que é muito importante – mas de uma maneira geral não se tem nas secretarias um software que unifique os expedientes. Um processo administrativo hoje na prefeitura é um deus-nos-acuda, porque você não sabe para onde vai, você não tem um organograma. O município de Mossoró está no século XIX. A impressão que eu tenho é que está no século XX. Dada essa dificuldade, por ser uma coisa artesanal, você torna a necessidade do trato braçal muito importante. Então você já teria uma dificuldade. Então o que a gente precisaria e que foi negado? Precisaríamos de livre acesso a qualquer momento às secretarias para que quando o prefeito for indicando os secretários eles já poderem entrar em contato com os atuais secretários e irem dando expediente informal nas secretarias, passando uma manhã lá, detectando um ou outro servidor que é importante para aquela área.

 O município de Mossoró está no século XIX.

PRN – Isso não está podendo ser feito?

RS – Estamos fazendo isso, mas não com a intensidade que gostaríamos. Também não quero correr o risco de ser injusto porque não tenho nenhum interesse nenhum em estar criando fatos políticos. Estou passando para vocês o que de fato está acontecendo. Temos tido uma agenda de visita às secretarias, visitas pré-agendadas. Inclusive até essa data, a única que ainda não temos uma agenda é a Secretaria Municipal da Fazenda. A maior parte dos secretários tem sido muito solícita. Não tenho, por exemplo, nenhuma dificuldade de conversas com a procuradora-geral do município, em repassar os dados da Procuradoria. Não temos tido nenhuma dificuldade com o secretário da Administração, Pedro Almeida, que tem atendido a nossa comissão e tem passado as informações. Mas em determinado momento a gente recebe as informações dele e ele diz: não, esse documento não posso entregar. Então tem havido as visitas, mas tem havido um certo bloqueio nesse sentido e as visitas infelizmente não são na intensidade que nós precisávamos. Isso é uma pena porque gera uma perda para 300 mil pessoas.

Inclusive até essa data, a única que ainda não temos uma agenda
é a Secretaria Municipal da Fazenda.

PRN – Já deu para ter uma ideia de como, minimamente, está a situação financeira da prefeitura?

RS – Zero. Nada. Informação zero nesse aspecto. Nem visita à secretaria, nem conversas com a secretária, nem papel nenhum com nada.

PRN – Então a história de que a prefeita está deixando a prefeitura com 100 milhões em caixa tem pouca possibilidade de ser real.

RS – Dessa lenda urbana desses R$ 100 milhões em caixa o que se tem é o empréstimo do Finisa. Pelos valores que nos tem chegado, não é menos de R$ 80 milhões e não é mais do que R$ 100 milhões, que a prefeitura vai ter à sua disposição para gastar. Foram 147 milhões,  dos atuais a atual prefeita já gastou um terço, um pouco mais que isso, e o prefeito eleito vai ter algo em torno de R$ 100 milhões. Isso não é dinheiro em caixa, isso é um empréstimo. Poupança, o município tem zero de poupança. Estou supondo. Por que estou supondo? Porque até essa altura do campeonato, o décimo terceiro não foi pago. Se você tem poupança, você não atrasa compromisso. Então eu suponho que não haja poupança, agora se tem ou se não tem, acho que só vamos saber em primeiro de janeiro porque os saldos não foram demonstrados.

PRN – É possível imaginar o porquê dessa dificuldade toda num processo de transição? É desorganização? É má-fé?

RS –  Posso imaginar os motivos, mas vou me excluir de dizer.

PRN – Como coordenador da transição, você percebe em que bases serão estabelecidas a próxima gestão. Será no cuidar das pessoas? Na oferta de serviços? Como será?

RS – Acho que é uma pergunta muito boa para se fazer ao prefeito. Quando estou conversando com ele, nós temos uma diferença bem básica: eu estou na transição, estou fazendo o que estou fazendo. Então minha preocupação é janeiro de 2021. Quando a gente está conversando – não conversando trabalhando – mas todas as falas de Allyson são no sentido de ´vou fazer isso´, ´vou fazer aquilo´, então ele planeja, ele sabe o que ele quer na gestão dele nos 100 primeiros dias, ele sabe como ele quer virar 2021, ele sabe como ele quer que janeiro de 2022 seja, então ele tem o pensamento esses 4 anos da gestão dele, um pensamento bem amadurecido. Agora, eu exatamente não sou a pessoa mais adequada para falar disso. Agora oque posso dizer, vendo as pessoas que foram indicadas para o secretariado, vendo a comissão de transição que ele montou, é que a meritocracia – embora essa seja uma palavra que tem sido vulgarizada – mas o conhecimento técnico, a capacidade, para todos nós é um desafio, um orgulho, porque dentro da sua cidade você ocupar um posto importante como esse, de trabalhar no interesse coletivo. Por acaso estou dizendo isso a você, mas isso é geral da equipe. Percebo por exemplo, que quem está tratando de tributação é vertical em tributação, quem está tratando de contratos, é vertical naquilo. Quem está trabalhando nas minutas de leis que o prefeito pretende apresentar à Câmara Municipal, são pessoas que já fizeram isso noutros momentos. Então, Allyson não pede, por exemplo, para um eletricista fazer um encanamento. Isso é uma característica marcante dele. Se ele tem um problema elétrico, ele vai atrás da pessoa que entende desse assunto. Mesmo que eventualmente ele não tenha concordâncias pessoais com esse especialista, mas ele entende que ali tem uma necessidade técnica. Isso é importante para a gestão. Se você pegar o plano de governo do prefeito, o que está sendo dito nele é o que Belchior disse em ´Alucinação´ há algum tempo. Alucinação é uma ode ao pragmatismo. Quando Allyson diz que vai investir em saúde significa: atendimento no tempo certo, no posto de saúde, então ele vai debulhando o que ele entende por uma coisa. Então ele não está ali dizendo, ah, educação, saúde e segurança. Educação vou fazer isso, saúde vou fazer isso. No plano de governo não tem uma obra faraônica. Todas as promessas que Allyson fez são promessas estruturais da máquina, que podem ser feitas com a máquina que nós temos. Então, a história do pragmatismo, do que é exequível, e ele sabe, ele tem isso, ele está mostrando para a sociedade. Para a Agricultura, ele indica o cara que é doutor em Veterinária, que tem uma experiência não só acadêmica, mas prática. Um cara que trabalhou na Emater, que está ali pegando na massa e que por acaso é professor de uma escola técnica. E a característica principal da escola técnica é que seja um ensino prático. Para a educação, ele indica uma pessoa que era cotada até pouco tempo para ser reitora de uma universidade. Na segurança, ele indica um militar mas que tem capacidade de diálogo com as mais variadas categorias, que é uma pessoa que tem uma visão de segurança muito moderna, muito modernizante também, que vai ser compatível com o que o prefeito pensa. Interessante dizer: você me pergunta como é que vai ser, eu respondo como é que está sendo. Quem ele foi buscar para a Previ? Ele foi buscar a voz da experiência. Um cara que desenhou a Previ, ajudou a montar e um cara também que atuou na Previdência do Estado. E veja: tão chamado menino, ele se junta a pessoas que agregam a ele essa experiência. Interessante: ele tem a capacidade de agregar, de liderar, e acho que os próximos 4 anos em Mossoró serão 4 anos muito produtivos.

PRN -A esperança é que, excetuando-se a pandemia, em dezembro e 2021 estejamos em melhor situação, em Mossoró, de que esse ano?

RS – Eu sou muito otimista quanto a isso Se não fosse não estaria aqui. Mas sou muito otimista. Quando em janeiro a transição acabar e eu como cidadão começar a observar Mossoró tenho certeza de que daqui a 4 anos estaremos bem melhor do que o que estamos vendo hoje.

PRN – Existe algo na questão da legislação de Mossoró que ainda precisa ser feito?

RS  – Muito, quase tudo. A lei orgânica está até atualizada. O Plano Diretor está com um atraso de 4 anos. O prefeito tem isso bem mapeado na cabeça dele. Ele chegou a citar isso com a gente da área jurídica. Nós fizemos ofícios para a prefeitura perguntando se a gestão tinha cadastrado a cidade num edital da Sudene que financiava estudos para a formulação de um novo Plano Diretor. Eram R$ 2,5 milhões disponíveis. Quando mandamos o ofício ainda tinha 5 dias de validade do edital. Perguntamos: Mossoró apresentou proposta? Se não apresentou, por quê? Uma coisa como essa, na gestão de Allyson, não vai acontecer, perder um financiamento desses. Então temos o Plano Diretor para atualizar, temos que reformular o código de obras e posturas. Precisamos de um sistema que consolide as legislações. Tem muita coisa para fazer.

PRN – Espaço aberto para suas considerações finais.

RS – Quero agradecer a vocês pelo espaço. Desejar sucesso ao portal. Mossoró e a democracia precisam de veículos de imprensa que tenham essa capacidade de dialogar, de abrir para discussões, abrir para o debate público, de ter posições inclusive que sejam dissenso, abrir um questionamento. Sou um cara que acredita muito na universidade, no conhecimento e na educação, e a imprensa de Mossoró se reinventou com o curso de Jornalismo, ganhou em qualidade. Quero agradecer por tudo isso. Quero dizer também à população de Mossoró que estamos trabalhando dia e noite para entregar condições mínimas de governabilidade técnica ao prefeito a partir de primeiro de janeiro. O prefeito é um cara moderno. Além de moderno,  modernizante, antenado, ligado, pensando em ideias. Mossoró viverá um tempo bom. Vivemos uma renovação de vereadores, acho que a Câmara ganhou muito em qualidade de representação. Quero dizer que espero que os próximos 4 anos sejam de progresso e de modernização da cidade.

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