Entrevista

Conversa da Semana com Pe. Charles Lamartine

O padre Charles Lamartine é um grande entusiasta da educação. Grande estudioso que é, busca conciliar as atividades do doutorado que realiza na Unicamp com as tarefas enquanto diretor do Colégio Diocesano e da Faculdade Católica. Nessa Conversa da Semana com o Portal do RN, o religioso fala dos projetos dessas duas instituições, fala da importância da educação, destaca o papel da igreja para a construção da paz social e revela sobre quais são seus planos políticos

Por Márcio Alexandre

PORTAL DO RN – Gostaríamos de iniciar nossa conversa pedindo para que o senhor falasse um pouco sobre o centenário Diocesano. O que se projeta para o colégio para 2020?

PADRE CHARLES – Falar do Diocesano, para mim, é falar de uma relação simbiótica. Como tenho dito, reafirmo, o meu vínculo e dedicação pessoal, humana e profissional tem sido e se fortalecido cotidianamente com a causa da educação. Ao chegar ao Diocesano fui muito bem acolhido, e poder dar continuidade à missão educativa, construída com solidez por muitos que me antecederam, é algo que deixa a minha alma encharcada de felicidade, gratidão e ao mesmo tempo, me deixa cônscio de enorme responsabilidade. Em sua trajetória de mais de um século, o Colégio Diocesano Santa Luzia empenha-se em construir e consolidar um espaço de educação associado aos padrões de qualidade de um ambiente educativo que, além de propício às aprendizagens sociais e cognitivas, tem como objetivo a formação integral dos seus alunos e alunas. Desde o ano da nossa chegada – uso sempre o plural, pois como discípulo de Padre Sátiro, aprendi, que nunca fazemos nada sozinho -, tivemos a oportunidade, de implementar novos projetos com por exemplo a robótica educacional, a educação bilíngue, o projeto Diolímpico, um espaço de estudo e preparação teórico e prática para as diversas olimpíadas do conhecimento, com o intuito de promovermos cada vez mais o crescimento dos nossos meninos e meninas. E neste ano de 2019, os resultados alcançados por nossos alunos, nas olimpíadas científicas, nas avaliações externas, no esporte e nas mais diversas áreas de conhecimento confirmam que o Diocesano Santa Luzia, a cada ano, se firma como referência em todas as etapas da educação em que atua.

PRN – Que resultados foram esses?

PC – Para que tenham uma ideia, foram mais de 500 premiações e certificações. Claro que aqui não caberia citarmos todas essas conquistas, mas registro algumas: somos a única escola particular do RN a conquistar medalha na Olimpíada Nacional em História do Brasil – obtivemos medalha de prata na fase presencial, disputada na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).Somos o colégio pentacampeão estadual na Olimpíada Brasileira de Robótica e ganhador do prêmio de melhor escola particular. Em avaliações externas de Língua Portuguesa e Matemática, o colégio conquistou 4 primeiros lugares gerais, 17 primeiros lugares em Matemática e outros 6 primeiros lugares em Português, isso no Brasil, pois a Provinha SAS é aplicada para mais de 15 mil estudantes de todo o país, que estão no 5º Ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais, das escolas conveniadas ao Sistema Ari de Sá. Com ênfase, reafirmo que o Diocesano concretiza a formação não somente de intelectuais, pois, não nos basta à vastidão de conhecimento se não formos capazes de transformá-los em atitudes sábias na construção de uma sociedade igualitária e fraterna. A escola expressa no seu cotidiano o compromisso com a excelência acadêmica aliada à vivência dos valores éticos e cristãos.

PRN – E em relação à Faculdade Católica, o que tem motivado a sua existência, expansão e crescimento?

PC – A Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, assim como o Colégio Diocesano, não nasce de uma vontade particular de alguém, nasce do anseio, do desejo, de um grupo de pessoas que acreditou nesse projeto. Eu diria que a FCRN, apesar de neófita, já nasce com as bases sólidas da raiz do Colégio Diocesano Santa Luzia. Nós procuramos imprimir a filosofia de ensino da Católica a partir dos princípios que já cultivamos há tantos anos na escola.A faculdade não surge para ser mais uma empresa de Ensino Superior em Mossoró, e sim com o intuito de marcar a educação superior da cidade com um ensino de qualidade, com um diferencial de serviço à comunidade, por entendermos que uma instituição de ensino superior só tem sentido de existir se for capaz de promover o desenvolvimento significativo, tanto em aspectos sociais quanto econômicos. Os diversos cursos que temos: Ciências Contábeis, Fisioterapia, Psicologia, Teologia, Administração, Gastronomia e Direito, e o que está vindo para 2020, Nutrição, e mais os 17 cursos de pós-graduação em diversas áreas: Direito, Comunicação, Educação, Saúde, Teologia, Gestão, Saúde e Exatas, só ganham sentido se puderem impactar a sociedade local e regional, a vida das pessoas. Pensamos uma educação superior que possa estimular a criação cultural e o desenvolvimento científico pautada nos princípios de um ensino autêntico, verdadeiro e promotor de vida. Com a necessidade de expansão e oferta de novos cursos, surge a necessidade de aumentar da estrutura física. Para uma satisfatória acomodação dos docentes, discentes e qualificação dos espaços de aprendizagem como laboratórios, clínica, cozinha de gastronomia e espaços culturais, recentemente apresentamos para os alunos da faculdade o nosso projeto de expansão da estrutura física com a construção do novo prédio da faculdade, que em breve todos conhecerão. A Católica do Rio Grande do Norte hoje faz parte diretamente da vida de alunos, professores e funcionários, e, indiretamente, da vida de milhares de pessoas beneficiadas por projetos de extensão e pesquisa e pelos profissionais que por ela estão se formando desde a sua criação. Agora, vivemos o desafio de continuar a construção do sonho de tantas gerações: ser uma Instituição que, efetivamente, dê a sua contribuição para uma sociedade mais justa e mais digna. Sobre novos cursos, pensamos sim neles, mas o momento agora é de dar condições estruturais para que essas novidades sobre graduações possam fazer parte da nossa oferta ao público acadêmico.

PRN – O senhor casou com a igreja, mas tem uma atuação muito destacada na educação, tanto como dirigente de entidades e também como estudioso. O que o motiva nessa área?

PC – Considero a tarefa de educar a mais nobre das missões. Portanto, algo instigante e desafiador desde os tempos mais remotos aos dias atuais. De fato, a educação está intrinsecamente ligada à minha história de vida. Sou de uma família com fortes laços na área educacional. A minha tia e madrinha de batismo, tia Genisa, é proprietária do Colégio, Curso e Faculdade Evolução, em Pau dos Ferros. Nesse espaço estudei, empreendi e vivi muitos anos da minha infância e adolescência. Lá iniciei a partir da 8ª Série e concluí o Ensino Médio. O Evolução significou para mim não apenas uma escola de aprendizado acadêmico, mas referência para o meu enveredar na área educacional. Além de tomar conta da cantina, aplicava provas e participava da organização de alguns eventos. Antes mesmo, de ingressar em qualquer instituição de educação formal, escutei a vida inteira a minha avó Maria defender a educação. Mulher forte, sábia e admirável. Mesmo sem ter lido autores como Bourdieu (2001) e Charlot (2000), defendia com unhas e dentes o estudo como o caminho para a emancipação das pessoas. Os seus ensinamentos ressoam na minha formação humana, pois burilaram a pessoa que me tornei. Um legado que encarnou como uma forma de estar no mundo, atento e curioso. A minha avó Maria enxergava a educação como alternativa de superação e conquista da nossa liberdade. Assim, cresci cônscio do quanto a educação pode transformar a vida das pessoas. Hoje estou no doutorado na Unicamp, antes me tornei Mestre pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), e neste caminho dos estudos eu quero sempre estar.

PRN – A educação sempre foi vista como grande aliada no combate a mazelas sociais, como violência e desigualdade econômica, por exemplo. Apesar disso, tivemos nos últimos anos, uma melhoria na oferta de ensino e, ao mesmo tempo, crescimento de maus indicadores, como o da violência. A preocupação com a educação, por parte os governantes, foi tardia?

PC – De fato, a educação é, desde a sua gênese, um fenômeno social, estando relacionada ao contexto político, econômico, científico e cultural de uma sociedade. Ela tem impacto catalizador no bem-estar dos indivíduos e, pode ser a mola propulsora para diversas transformações no mundo, como por exemplo: acesso aos direitos, luta contra a pobreza, preservação ao meio ambiente, criação de cultura de paz, é promotora de humanização e permite a compreensão de mundo. No entanto, como nos dizia Paulo Freire, “sozinha, a educação não transforma a sociedade e sem ela tampouco a sociedade muda”. O Brasil apresenta algumas características próprias de países em desenvolvimento, entre as quais a desigualdade na distribuição da renda e imensas deficiências no sistema educacional. Nos últimos anos, com o direito à educação para todos assegurado pela legislação, tivemos sim, o aumento quantitativo de matrículas nas escolas brasileiras, ou seja, conseguimos garantir o acesso do estudante ao ensino básico, o que é considerado, um avanço da política educacional. Entretanto, esse acesso não significou, necessariamente, o sucesso escolar deste aluno e a garantia de uma educação de qualidade. Em termos educacionais, temos muitos desafios e um longo caminho a seguir na perspectiva da construção de um sistema educacional abrangente e de boa qualidade. E a administração pública brasileira em todas as esferas, precisa centrar esforços em políticas públicas eficazes e consistentes, pois uma educação de qualidade é fundamental para a construção de uma sociedade democrática em suas dimensões social, ética e política.

PRN – O Brasil vive uma situação política delicada, sobretudo após o resultado das eleições do ano passado. Qual o papel dos educadores para contribuir na amenização desse cenário?

PC – Como entusiasta que sou da educação e como educador, considero o papel do educador crucial para o desenvolvimento e humanização de uma sociedade. Ao contribuir para a formação integral dos seus alunos, o professor desenvolve uma educação emancipatória, assim, as suas práticas educativas estarão a serviço da transformação social que tenha em seu cerne a justiça e a preocupação com a qualidade de vida para todos os seres humanos. Nesse contexto, vejo o professor potencialmente como um elemento articulador de uma nova sociedade. A humanidade está envolvida em um novo período histórico marcado por profundas transformações no ambiente social, político, econômico e cultural. Assim, é perceptível a nossa preocupação em promover uma educação que propicie a formação cognitiva atrelada, sobretudo, à formação humana.

PRN – E a Igreja Católica, como deve agir para colaborar com a paz social?

PC – Em todo Magistério Social da Igreja, desde a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, em 1891, pautada nos valores do Evangelho, a Igreja preocupou-se com a organização social dos povos. O horizonte principal é pensar a dignidade humana, acima de tudo, que deve ser preservada e promovida. Ao se buscar uma harmonia social, um estado de concórdia entre as classes sociais, nunca podemos esquecer os destinatários privilegiados da graça de Deus, desde o Antigo Testamento: os pobres. Assumir o dever de colaborar com a paz social, diria eu, é estar em um constante estado, segundo nosso cantor Pe. Zezinho, de paz inquieta. Isto significa ser sensível a necessidade presente de uma paz verdadeira e concreta entre povos e classes socais, sem deixar de lado a inquietação constante e comprometida mediante as situações de injustiça, exploração e desumanização vivenciada por alguns de nossos irmãos e irmãs.

PRN – O atual governo se mostra declaradamente contra minorias, direitos trabalhistas, conquistas sociais. O que podemos ter de resultado num futuro próximo com esse tipo de governante?

PC – Toda a história da humanidade reservou a nós, homens e mulheres, desafios próprios para cada tempo. O que não muda são os valores evangélicos, aos quais devemos permanecer fiéis e comprometidos com eles. Acredito que o contexto nacional nos evoca uma profunda participação e responsabilidade na promoção de vida das pessoas. Nós que atuamos na educação e aqueles que contribuem social e humanamente em outros setores, precisamos estar atentos e sensíveis àqueles que, por vezes silenciados, buscam dignidade de vida. Cabe-nos discernimento para, diante de qualquer momento histórico, preservando a justiça e a verdade, construir uma sociedade melhor. Olhar para frente nos remonta à perspectiva dos primeiros cristãos que, em meio as dificuldades de seu tempo, nutriam-se de esperança e comprometiam-se na solidariedade e no amor para com os irmãos. A chave para pensar o futuro é a esperança que nos move, nos põe em caminho, nos motiva a buscar o bem comum, como nos orientava o filósofo Aristóteles, na sua ética, no contexto da Grécia Antiga.

PRN – Desde 2017 o nome do senhor vem sendo lembrado para disputar a prefeitura de Mossoró no próximo ano. A que o senhor atribui esse fato e até onde essa possibilidade pode ir?

PC – Sabemos que em Mossoró, as rodas de conversas sobre a política local são bem fecundas. Nelas aparecem, como também desaparecem tantos nomes para as disputas. O que deve ser levado em conta é como cada um se portará diante de tal fato. Eu, em especial, já me posicionei: o meu projeto e planos para o futuro continuam sendo fortalecer a educação de onde estou atuando. Hoje, meu vínculo e minha dedicação pessoal, humana e profissional, o meu compromisso é para, pela e com a causa da educação. O nosso trabalho é com educação – uma educação que seja, realmente, formadora de concepções que servem para a vida.

PRN – Naquele ano, o senhor chegou a afirmar que a longo prazo ingressar na política poderia ser um caminho a ser seguido. Ainda pensa assim?

PC – É, na nossa constituição histórica os encontros que nos chegam. Como já diziam os antigos filósofos, somos animais políticos. A preocupação com a pólis (hoje cidade) deve ser algo comum a todos os seres humanos que fazem parte de um convívio social. O homem político é aquele que se preocupa com o bem comum e não apenas com seus próprios interesses. Nesta direção posso afirmar que mesmo não estando vinculado a uma legenda partidária, o viver político é algo inerente a minha existência. A minha vida é permeada por muitos desejos, muitos anseios e por dois amores: a vida religiosa e o empenho pela educação. Eu vivo com muito afinco e alegria, o meu sacerdócio a serviço dos projetos educacionais. Portanto, tenho uma missão impregnada com o desafio de ancorá-la em uma sensibilidade com os anseios da humanidade nos dias atuais. A minha principal missão é a preocupação com o todo, que implica uma preocupação comigo e com os meus semelhantes.

PRN – Suas palavras finais.

PC – Quem acompanha a minha caminhada, seja de perto ou à distância sabe o quanto costumo partilhar os sonhos, desejos e a empreitada cotidiana. Nesse cenário, as minhas palavras finais são infinitas de gratidão a Deus, como infinitas sejam nossos sonhos, lutas, esperanças e esforços contínuos para um mundo mais justo, humanizado e igualitário.

 

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