Prefeitura mantém aulas presenciais mesmo com avanço da pandemia
Decisão do município expõe professores, alunos e funcionários à contaminação pelo novo coronavírus
A Secretaria de Educação de Alto do Rodrigues retomou, no dia 12 de abril passado, as atividades presenciais nas escolas da rede municipal de ensino. Naquela oportunidade, a cidade apresentava índices preocupantes em relação à pandemia da covid.
O retorno vem sendo criticado professores, funcionários e pais de alunos que se veem expostos ao novo coronavírus. Apesar de a prefeitura exigir o uso da máscara de proteção facial e cumprir a regra da distância mínima entre os alunos, medo e revolta dominam o sentimento da maioria da população da cidade.
Para aumentar ainda mais a preocupação e a angústia de genitores, docentes e servidores, no último dia 13 de maio, o prefeito Nixon Baracho (DEM) autorizou o retorno presencial de mais alunos às
“A prefeitura não está testando professores e funcionários com frequência. Como vamos saber sobre novos casos nas escolas. Sem esse conhecimento, nossos filhos estarão correndo riscos”, reclama Francisca Pereira, mãe de aluna.
Os números da pandemia só crescem em Alto do Rodrigues. Em 12 de abril, quando a prefeitura permitiu o retorno das aulas presenciais para parte dos alunos, os casos suspeitos eram 495. Eles chegaram a 754, sexta-feira passada, 21/5. Nada menos que quase 260 novos casos em pouco mais de um mês, crescimento de mais de 34%.
Os casos confirmados saltaram de 1.237 para 1.728 nesse mesmo período. São nada menos que 491 novos registros, o que revela um crescimento de quase 40%. Nos últimos dias, todos os indicadores relacionados à pandemia da covid em Alto do Rodrigues tem crescido.
“A gestão municipal não consegue sequer estabilizar a crise sanitária na cidade e quer que nos exponhamos ao vírus diariamente”, critica um professor, que pediu para ter a identidade revelada.
No último dia 12 de maio, apesar de a covid avançar em Alo do Rodrigues e municípios vizinhos, o prefeito Nixon Baracho baixou novo decreto, agora autorizando as aulas presenciais também para as turmas dos anos finais do Ensino Fundamental.
“Além de colocar a saúde e a vida das pessoas em risco, esse novo decreto marca o momento em que o município deixa de seguir as recomendações de prevenção à covid estabelecidas nos decretos estaduais”, destaca Benedito Melo, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alto do Rodrigues (SINDSERPAR).
O sindicato, inclusive, critica os argumentos utilizados pela Comissão Municipal de Gestão da pandemia para decidir pela retomada geral das atividades presenciais na cidade.
O colegiado apontou que “retomar as aulas de 6º e 7º ano no dia 17 de maio e as aulas de 8º e 9º ano apenas no dia 31 de maio dificulta a organização dos horários dos professores”.
“Não concordamos. Os professores poderiam ter carga horária completa para aulas presenciais em alguns dias da semana e carga horário completa, do mesmo modo, para aulas remotas, nos demais dias restantes. Há outras possibilidades. Acontece que, em busca de chegar a um denominador comum para resolver o problema da retomada das aulas em momentos diferentes, o município chega a uma solução que aumenta a exposição de toda a comunidade escolar aos riscos de contágio”, avalia o SINDISERPAR.
Outra alegativa apresentada pela prefeitura para o retorno presencial seria a dificuldade de os alunos de se alimentarem em suas casas, aliada ao fato de que a prefeitura já adquiriu os itens da merenda escolar. “Também discordamos porque o município já tem experiência acumulada em 2020 quanto à distribuição de “kits alimentares”; é só retomar a sistemática e aperfeiçoar”, sugere o sindicato.
O SINDISERPAR elencou outros argumentos apresentados pelo município, discordando deles. Veja abaixo cada um e o contraponto feito pelo sindicato:
“A Comissão Municipal de Gestão da Pandemia no retorno às aulas presenciais, por maioria estrondosa, formou posição a favor da liberação das aulas presenciais em todas as etapas e fases da educação básica no âmbito do município de Alto do Rodrigues, apresentando as seguintes justificativas, as quais descrevemos e rebatemos:
1. Retomar as aulas de 6º e 7º ano no dia 17 de maio e as aulas de 8º e 9º ano apenas no dia 31 de maio dificulta a organização dos horários dos professores.
Não concordamos. Os professores poderiam ter carga horária completa para aulas presenciais em alguns dias da semana e carga horário completa, do mesmo modo, para aulas remotas, nos demais dias restantes. Outra opção, para não fazer novos horários, seria iniciar as aulas presenciais em todas as séries do 6º ao 9º ano apenas no dia 31 de maio, levando em conta que o Decreto estadual autoriza, mas não obriga, e precisamos que as medidas para evitar a propagação do coronavírus sejam tomadas em todas as frentes possíveis.
Acontece que, em busca de chegar a um denominador comum para resolver o problema da retomada das aulas em momentos diferentes, o município chega a uma solução que aumenta a exposição de toda a comunidade escolar aos riscos de contágio.
2. A retomada das aulas presenciais é uma forma de aliviar a situação de crianças que não possuem condições de fazerem as principais refeições do dia. Além disso, a Secretaria de Educação já realizou a compra de merenda escolar e precisa garantir a destinação mais adequada da mesma.
Também discordamos. O município já tem experiência acumulada em 2020 quanto à distribuição de “kits alimentares”; é só retomar a sistemática e aperfeiçoar. Acreditamos que o município de Alto do Rodrigues pode, inclusive, incrementar ainda mais os kits alimentares, com recursos próprios, de modo a garantir que os alunos provenientes de famílias carentes sejam devidamente assistidos.
3. Representante do Ministério Público declarou à Secretária de Educação que o município de Alto do Rodrigues está em condições de retomar as aulas presenciais.
Entendemos que o Ministério Público recomenda, o Executivo (estadual ou municipal) decreta e o juiz, se houver alguma ação, julga. O Decreto estadual leva em conta a necessidade de deter a disseminação do coronavírus em todo âmbito do território potiguar, valendo para todas as redes de ensino, e não autoriza que se faça de outra forma, antecipando datas para retomada das aulas presenciais, se o município ou qualquer escola tiver criado infraestrutura de biossegurança avaliada como adequada por qualquer agente público.
Outra coisa: tem recomendação escrita do Ministério Público? Se tiver, solicitamos.
4. Representantes de entidade do Sistema S (SEBRAE, SENAI, SESI…) declararam que as escolas municipais apresentam padrão de infraestrutura para biossegurança compatível com escolas privadas e aprovaram a estratégia de ligar os aparelhos de ar condicionado antes de iniciar as aulas e desligar logo após a chegada dos alunos, de modo a resfriar os espaços.
Não consta que a entidade emitiu laudo detalhando resultados de alguma perícia. Se tiver, solicitamos. Por quê? A situação não está para construir consensos aparados em informalidades, pois diz respeito à vida de milhares de pessoas.
Ademais, o “Sistema S” é um conjunto de entidades do setor privado, que atende a demandas e possui interesses diferentes do setor público. Os decretos estaduais levam em conta a capacidade de atendimento de todo o sistema público, ao qual a comunidade escolar irá recorrer para fazer testes, obter tratamento e internação em UTI’s, nos casos de contágio por covid-19. O “Sistema S” não tem obrigação frente às demandas da saúde pública. Por sinal, a matéria com que lida passa por longe.
5. Deve ser levado em conta o princípio do direito à educação.
Até onde consta, o direito à educação pode ser assegurado através de outros modelos de ensino, inclusive, reconhecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação, como é o caso do ensino remoto. Já o direito a um ensino de qualidade melhor depende dos compromissos da gestão com o interesse público. Tais compromissos precisam levar em conta metas de ensino e aprendizagem, bem como as condições reais para se atingir tais metas, tanto da parte dos alunos quanto dos professores. Não adianta disponibilizar horários para aulas remotas com a mesma duração que os das aulas presenciais, se isso dificulta o trabalho dos professores, sobrecarrega os alunos com tarefas e diminui o rendimento geral do trabalho pedagógico. Também dificulta muito, no caso do modelo de aulas presenciais, ou de aulas híbridas, exigir que os professores fiquem na escola por mais tempo do que ficavam antes da pandemia, com redução ou, até, extinção dos intervalos. A saúde dos professores é afetada nas duas situações.
Assim, o município pode assegurar o direito à educação, sem favorecer as possibilidades de contágio na comunidade escolar.
6. O professor tem o mesmo dever que outros servidores públicos de se expor na linha de frente contra o coronavírus, não pode ser uma “categoria privilegiada”.
Esse é um argumento baseado no senso comum, recorrente entre parte da população, que avalia os professores como privilegiados (em relação a outros profissionais ou servidores), enquanto dão aulas remotamente.
Antes de tudo, ressaltamos que o dever da gestão pública é priorizar a garantia da vida. O procedimento padrão adotado por órgãos, entidades e poderes ligados ao Estado é suspender as atividades presenciais. Isso vem sendo adotado por bancos, INSS, DETRAN, órgãos da Justiça e, até, pela Câmara Municipal de Alto do Rodrigues, os quais disponibilizam outras formas de atendimento e a população é obrigada a se adaptar.
A valer este argumento, teria implicações para outras atividades de risco. Assim, o professor teria que se expor da mesma que o bombeiro, por exemplo, quando fosse preciso apagar um fogo, ou se arriscar da mesma forma que um policial ao presenciar um assalto. O ordenamento das funções do Estado estabelece funções diferentes, com riscos respectivos. Se ao professor coubesse o dever de se expor ao coronavírus do mesmo modo que os profissionais da saúde, por exemplo, deveria caber-lhe o direito de ser vacinado prioritariamente. Mas não é esse o tratamento que vem sendo dado.
Ademais, os outros servidores vinculados à educação, também se expõem, como auxiliares administrativos, ao lidar com documentos que podem estar contaminados, e auxiliares de serviços gerais, que cuidam da limpeza de espaços e de objetos eventualmente contaminados pelos usuários das escolas.
Por isso, entendemos que todos os servidores da educação têm riscos aumentados na atual situação de Alto do Rodrigues perante a pandemia. Não deve haver uns com mais direitos que os outros. As tarefas atinentes a cada função devem ser feitas tomando como prioridade a defesa da vida”.
Veja abaixo a evolução da pandemia da covid em Alto do Rodrigues nos últimos dias:
Boletim epidemiológico em 12 de abril
- Casos suspeitos – 495
- Taxa de suspeitos – 3407,0
- Casos confirmados – 1.237
- Taxa de confirmados – 8514,0
- Óbitos confirmados – 24
- Taxa de mortes por cada 100 mil habitantes: – 165,2
- Total de mortes em todo o RN: 4.908 –
- Percentual de óbitos de Alto do Rodrigues em relação ao total do RN: 0,488%
Boletim epidemiológico de 21 de maio
- Casos suspeitos – 754
- Taxa de casos suspeitos – 5189,6
- Casos confirmados – 1728
- Taxa de casos confirmados – 11893, 5
- Óbitos confirmados – 32
- Taxa de mortes por cada 100 mil habitantes: 220,2
- Total de óbitos no RN: 5.950
- Percentual de óbitos de Alto do Rodrigues em relação ao total do RN: 0,537%
O Portal do RN questionou a secretária municipal de Educação, Francisca Irani, sobre o retorno. Perguntamos sobre em quais recomendações científicas está baseada a retomada, sobre como a secretaria monitorará as escolas e a comunidade escolar e se haverá testes periódicos para detecção precoce de possíveis casos.
Em resposta aos questionamentos, a secretária se limitou a dizer que não foi constatado nenhum caso de covid nas escolas e que todas as medidas de segurança sanitária estão sendo tomadas. “Se quiser visitar nossas escolas você vai constatar que estamos tomando todas as medidas de segurança e prevenção”, acrescentou.
Por fim, perguntamos se ela considera seguro um retorno presencial das atividades escolares num momento tão crítico da pandemia. Não houve resposta a esse questionamento.